Dia 20/11/1998. Faro. 15:30h. Um Oceano com Outras Cores.
“Receção dos alunos do Liceu de Faro, a turma é do 12º Ano. Os monitores do Centro de Ciência Viva do Algarve preparam-se para efetuar uma visita guiada. Eu aguardo na área de Biologia Marinha pela turma. Tudo está preparado e paro no aquário Temático “Poluição Marinha”. Um pequeno pedaço do Oceano que está ali e que me aperta o coração sempre que o vejo. Olho para o movimento e para as cores dos outros aquários. E penso, o que posso fazer com estes alunos para que não esqueçam o momento em que olharem para aquele aquário de tonalidades térreas e negras, onde a vida com cor se apaga para dar lugar a outras formas de vida. Os Alunos do 12º ano nem sempre são um público fácil, tenho que usar o humor, mas não chega. É isso, vou mudar-lhes a posição do corpo e foi assim que começou a “Promessa” em frente a este aquário Temático. Primeiro o Minuto de Silêncio e depois de joelhos, a Promessa. Um compromisso com uma ação individual para combater a poluição. Terminada a visita disse baixinho para mim, resultou, consegui captar a atenção, consegui fazê-los rir, consegui rir também e ao mesmo tempo tocar-lhes no coração. Missão cumprida”.
Embora não tenha participado em nenhuma ação de limpeza de praia em criança, nunca atirei um papel ou o que quer que seja para o chão na minha infância. Agora e após um longo trabalho como Educadora Marinha, busco a razão: o fio condutor que me levou a agir assim. A minha educação, sim e não. Nunca vi os meus pais atirarem lixo para o chão, mas vi o meu pai, como fumador, atirar beatas para o mar. Talvez esta dualidade de ações me tenha levada a uma auto reflexão. Talvez. Durante os invernos, passeava também nas praias de calhau rolado e entristecia-me ver a quantidade de lixo que encontrava. Sapatos, plásticos, pneus, sacos, tudo vinha dar à costa e a única razão aparente que se ouvia por todo o lado, era o temporal da véspera. E a razão era aceite, naturalmente. Assim como era aceite o mergulho dado entre os restos de baleia, as coleções de pellets coloridas em vidrinhos, ou o alcatrão nos pés. Os manuais escolares não falavam sobre isso. Era algo que se encontrava e pronto.
Recordo a minha primeira ida ao lugar mais ocidental de Portugal, a ilha do Corvo. Tinha 13 anos e lá também encontrei lixo na costa e a frase que sempre me intrigara – “O mar trouxe o lixo”. Pensava logo de seguida “Se o mar o trouxe, quem o colocou lá? E se vem de longe, como chega cá?” Mas foi no inverno de 1987, que começou o meu primeiro trabalho de reflexão, como aluna e cidadã, sobre a poluição marinha. Na turma de Ciências da Natureza, partimos para a Praia de Porto Pim para uma recolha do lixo na praia. Foi a primeira ação prática, causa e efeito que fiz nesta área. Recolhemos e pesámos o lixo encontrado. Já não me recordo dos dados, mas recordo-me do que encontrei na praia. Depois durante o meu curso de Biologia Marinha fizemos outros trabalhos práticos sobre a poluição, nas disciplinas de poluição marinha e de microbiologia: comecei a compreender e a ver o Oceano como um todo. Em 1997 em Faro, surge o meu primeiro trabalho efetivo como Comunicadora das Ciências Marinhas nesta área. Era um trabalho interessante e que levava a mais reflexão e a mais investigação da minha parte, pois vinham questões de toda a natureza e de todas as faixas etárias e é onde surgem também as notas do meu caderno de campo que escrevo acima. Em 1999 no projeto de voluntariado que criei “Mar Azul”, abordei também as questões da poluição, neste caso, mais a questão da poluição por hidrocarbonetos. Mas sabia que muito do trabalho teria que começar também em terra, e até mesmo nos Rios e nas nossas Ribeiras.
Em 2001 a trabalhar já há um ano nos Açores, no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores (DOP/UAç), o meu plano de trabalho mencionava uma recolha de lixo marinho. No entanto, recusava-me a fazer apenas uma ação pontual de limpeza e meti mãos à obra. Iniciei um diálogo com cada ator do problema e coorganizei a primeira recolha de lixo subaquático, designada como Campanha Limpa (a) Fundo. O nome desta Campanha foi criado por mim e pela minha colega Lídia Silva, que na altura coordenava a parte de Educação Ambiental na Câmara Municipal da Horta (CMH). A metodologia era simples: definir o público alvo; construir a mensagem e o briefingue; definir o local; envolver os diferentes parceiros; estimar o esforço; elaborar paralelamente uma ação de Educação Marinha em terra.
A articulação foi morosa, mas a recetividade de todas as instituições foi uma constante. Envolvemos todos os parceiros e este foi um verdadeiro desafio de participação e de cidadania. A Campanha, embora realizada localmente, teve sempre uma projeção Regional, pois esta era uma das suas metas – servir de exemplo e alertar para a problemática do Lixo Marinho, a nível Regional. Aqui foi fundamental o trabalho dos Media e a elaboração conjunta do cartaz “Quanto Tempo Dura o Lixo no Mar?”, entre o DOP/UAç e a CMH, o qual teve uma distribuição Regional. Foi bastante impressionante o impacto que este cartaz teve a nível Regional e as várias replicações que o mesmo foi alvo: não só ao nível de novas instituições que se associaram para a reprodução de mais exemplares; como também, representou uma fonte de inspiração e mote para a criação de vários cartazes da mesma natureza em diferentes ilhas e até posteriormente pelo Governo Regional.
Durante a Campanha associei a questão específica do plástico, através da oficina, “Os Açores na Rota das Tartarugas Marinhas”. E desta Campanha surgiram várias reflexões, não só relacionadas com a utilização do termo “Biodegradável” que estava muito em voga na altura e que estava a ser usada como desculpa para tudo; como também para aquela a que chamei “Poluição Visual” e que pode prender-se com uma simples casca de banana, numa zona balnear. Outras decisões também tiveram que ser feitas, e iniciou-se o trabalho com as questões dos 4 R´s (embora a separação na ilha ainda não fosse uma realidade, tinha esse objetivo, como futuro).
Para as crianças que participaram e que puderam ver de barco toda a azáfama da Campanha Limpa (a) Fundo e o esforço dos mergulhadores, estes eram os seus heróis e por isso cada mergulhador foi premiado, na primeira Campanha, com uma medalha pelas crianças. Deste trabalho de Educação Marinha, resultou um dado concreto e importante em termos de Conservação Marinha – a existência de um número significativo de baterias no Porto da Horta. Estas baterias eram deitadas ao mar e representavam e representam uma ameaça à saúde das espécies marinha e do homem.
Com este dado, a 2ª Campanha Limpa (a) Fundo foi dirigida à recolha de baterias no Porto da Horta e teve um trabalho mais diferenciado, quer no público-alvo, quer com os Media. A ideia chave aqui era trabalhar em articulação com os pescadores. Mas para isso, era importante que os pescadores vissem as baterias no fundo do mar, como os mergulhadores as viam: o mar não constituía um depósito para resíduos perigosos sem fim.
A colaboração dos pescadores foi, desde o primeiro momento, bastante positiva e participativa. Cada barco de pesca foi convidado pessoalmente a participar na Campanha. Houve pescadores que disponibilizaram os seus barcos para que as crianças pudessem ver as operações de mar. A Lotaçor disponibilizou o seu espaço para a realização da Oficina de Educação Marinha e para a transmissão, pela primeira vez, das imagens em direto do bocadinho de mar que estava a ser alvo da limpeza subaquática. Através da Fundação Rebikoff os jornalistas puderam também observar, no submarino Lula, todas as operações no fundo do mar. Desafiei o Conservatório Regional da Horta a construir instrumentos musicais a partir do plástico e outros materiais reutilizáveis e os professores com os alunos fizeram uma música.
Mas era necessário passar a informação, de mão em mão, e foi feito o folheto “Quanto Tempo Dura o Lixo no Mar?”. Este folheto foi distribuído a nível Regional e entregue pela mão de crianças aos pescadores que participaram ativamente na Campanha. A quantidade de lixo era pesada e o tempo de esforço medido. A metodologia da Campanha Limpa (a) Fundo foi apresentada no XII Encontro Nacional de Educação Ambiental, realizado 2-6 de outubro em Lisboa. No projeto Maré, esta Campanha foi considerada como uma experiência piloto e alertei nos relatórios do projeto para a necessidade de continuidade, da monitorização e da avaliação da mesma. Outra questão, não menor, foi a data escolhida a realização da 2ª Campanha – O Dia Nacional do Mar. Esta data facilitava no futuro, uma replicação Regional; a participação das escolas e a participação dos operadores marítimo-turísticos, que encerravam a sua época em outubro.
Em 2004, também no DOP/UAç trabalhei com a Marina da Horta, no programa Bandeira Azul, o problema da poluição marinha. Dei formação aos funcionários da Marina da Horta e descobri com os mesmos, que era importante demonstrar os equipamentos de combate à poluição que possuíam, à população. Em conjunto pusemos novamente mãos à obra e montámos uma estação de treino. Considerei este aspeto extremamente importante, pois foi uma oportunidade para todos, inclusive para os funcionários, de contactarem com o funcionamento dos equipamentos. Este ponto não deveria ser negligenciado, até porque, quando um desastre acontece no Oceano, como o “CP Valour”, quando encalhou na Praia do Norte, na ilha do Faial, todos deveríamos estar preparados para um trabalho voluntário: técnicos e população. Continuei a comunicar esta problemática através de artigos para revistas e jornais que escrevi.
Em 2008, ajudando na parte educativa da HortaCetáceos, promovi a necessidade de serem feitas Operações Stop sempre que era encontrado Lixo Marinho numa saída de Observação de Baleias e Golfinhos. E assim tem sido feito até hoje.
Em 2010 participei, no Faial, na Ciência no Bar que se debruçou sobre as Campanhas Limpa (a) Fundo e alertei para a importância de reforçar a Campanha através do seu nome. Um pormenor aparentemente insignificante, mas que apelava, inerentemente, para a uniformidade de uma metodologia específica e num futuro, para a sua expansão Regional. Em 2011, realizei inquéritos por questionários aos voluntários da Campanha. E através da Rede de Educação Marinha dos Açores, foi criado um espaço para esta Campanha, onde os voluntários poder-se-iam inscrever, colocar fotografias e artigos da Campanha. Em 2011, foquei a necessidade sistemática de tirar uma fotografia de grupo com os voluntários, a qual constituísse parte do histórico da Campanha e da vida do voluntário.
Em 2012, no Centro de Ciência do Oma participei em reuniões para a construção de uma Ficha de Dados mais consistente da Campanha e junto das crianças realizei uma oficina, onde falámos também sobre o Lixo Marinho no Oceano profundo.
Em 2013, o meu trabalho no Centro de Ciência do Oma e na Campanha Limpa (a) Fundo, antecede a data da mesma e é aí que elaboro o “1º Workshop Campanha Limpa (a) Fundo e os Media”, com o objetivo de realinhar ideias e de concentrar esforços na comunicação da mensagem, entre jornalistas, comunicadores de ciência e investigadores. Depois do workshop, preparei, com Atena 9, o guião do programa de rádio que seria transmitido em direto, como já acontecera em anos passados. Deste trabalho experimental, resultou, sobretudo, que esta é uma excelente metodologia para construir uma mensagem concertada e efetiva. Do workshop, retirei também a ideia que este pode ser replicável e estendido a outras temáticas e que a necessidade de incluir também investigadores, é um fator chave no processo. Infelizmente adoeci nesse ano e não consegui estar presente no dia da Campanha, mas senti que dentro do que estava ao meu alcance, fiz o meu papel, como comunicadora e cidadã e esta parte é sempre a parte mais recompensadora para mim. Fico feliz por ter feito parte do início da Campanha Limpa (a) Fundo e ter contribuído para a sua consolidação nos Açores, pois esta Campanha poderá tornar-se um bom exemplo no futuro de “Citizen Science” para os Açores. No entanto, ainda terá um longo percurso pela frente para atingir uma escala Regional. Mas antevejo, desde já, um bom futuro para a mesma.
Em 2014, facilitei a vinda da Lia Vasconcelos aos Açores, para participar nas XXI Jornadas Pedagógicas de Educação Ambiental da Associação Portuguesa de Educação Ambiental e para falar das questões de governância e articular a vinda do projeto Marlisco para os Açores com o Oma. Falámos informalmente e sempre com imenso entusiasmo sobre as questões de participação pública nesta e noutras áreas.
Colaborando com o projeto Marlisco, no âmbito do trabalho desenvolvido pelo Centro de Ciência do Oma, investiguei mais a sério o problema do Lixo Marinho. Falei com vários investigadores do DOP/UAç que trabalham nesta área. Tirei outras dúvidas com a Flávia Bastos e a Paula Sobral; participei no Fórum sobre o Lixo Marinho nos Açores/ Marlisco; colaborei na elaboração do cartaz “O Lixo Marinho nos Açores/ Marlisco”; ajudei na triagem de Lixo Marinho e na montagem da Exposição “Lixo Marinho: Um Problema Global?/ Marlisco” e dinamizei as primeiras visitas desta exposição no Faial, com jovens e com seniores: onde nunca deixei de aprender e escutar.
E creio que nunca mais deixarei de trabalhar este grande desafio que é o Lixo Marinho, quer seja diretamente em ações concretas, quer seja indiretamente nas comunicações que faço em cursos, congressos, nas operações stop quando estou a bordo do Risso da Hortacetáceos; um pouco por toda a parte. E principalmente, com a minha ação diária, pois ainda sou parte do problema, mas também sei que sou parte da solução.
A 24 de outubro de 2014 assisti ao Fórum Nacional sobre o Lixo Marinho. Uma experiência individual e coletiva interessante e onde retirei mais notas e apontamentos. Em 2015, como voluntária da Associação Portuguesa de Educação Ambiental participei no projeto CurtMAR e incentivei alunos a realizarem uma curta-metragem sobre as beatas no Oceano. No final, estava decidido, o Planeta Oceans-on® teria mais uma missão, a Missão Plasticgea!
Referência Web:
Gomes, C. (2015). Um Oceano com Outras Cores. Blog Viver Com o Oceano. Categoria Pegada Oceânica (Post 10/10/15). carlagomes.pt
Banco de Imagem: ImagDop & Oma & Pessoal.